quinta-feira, 24 de março de 2011

Virei uma ilha

 

Nunca entendi a vida e sempre me achei uma ilha.

Sempre sonhei com o desejo de sentar em minha poltrona comprada num site com coisas usadas e ver minha TV gigante que adquiri em mais uma das milhares de vitrines de um shopping. Depois beber uma cerveja gelada e um salgado espertamente fritado num segredo digno de expert de cozinha e com isso poder ver os meus ídolos viverem as suas vidas dentro de minha tela.

Mas a vida nunca deixava isso acontecer, pois sempre tinha alguma alma abençoada que não permitia tal sonho ser vivido. Trabalho o dia inteiro que nem um condenado para conseguir minha bela remuneração ao fim do mês e não reclamo de tal sorte, já que tenho consciência que não é para todos.

No trabalho sempre tinha uma alma me chamando para algo após o expediente, e em minha cabeça não conseguia entender tal fato. Como? Como que depois de quase dez horas de trabalho em cinco dias de uma semana, alguém ainda ia querer passar o restante do seu tempo com a pessoa que dominou seu olhar nesse tempo? Por muito tempo eu disse não a essas almas e com o mesmo tempo eu consegui me livrar desse farto e correr pro meu sonho.

Mas a vida nunca deixava isso acontecer, pois sempre tinha alguma alma abençoada que não permitia tal sonho ser vivido. Chego em casa todos os dias tarde da noite e minha mulher e meus filhos sempre tinham algo pra mim fazer, que adiava meu sonho. Aí você me perguntar dos fins de semanas? Fins de semanas eram piores que os fins dos dias da semana, pois ao menos nesses dias a minha família entendia meu cansaço, já no fim de semana não tinha dó da minha existência e disputavam em guerras minha presença.

Depois de muito tempo aceitando tal fato resolvi dar um basta me apegando ao exemplo do trabalho, e comecei a falar não o tempo todo. No começo foram muitos choros e brigas, mas pouco a pouco ia conseguindo ao menos curtir um pouco do meu sonho. Meus filhos foram crescendo e se acostumando com a ideia e minha mulher foi de dia em dia abaixando o seu tom de voz e também foi aceitando.

Sempre ouvi que toda a tempestade termina em calmaria, mas antes que digam que o ditado não é assim, eu digo que o ditado é do jeito que eu quiser. E depois da grande tempestade, veio a enorme calmaria. Finalmente consegui realizar o meu grande sonho e ter meu momento de paz. Foi um mês maravilhoso, pois meus filhos já crescidos não paravam em casa e minha mulher quando não estava dormindo com dor de cabeça, estava aproveitando a noite com as amigas.

Curti finais de futebol e de vários outros esportes, curti novelas, filmes, séries e programas de TV. Me diverti com as maiores comédias pastelões e me emocionei com os maiores dramas da vida. Me indignei com a violência do cotidiano e me deliciei com as voltas da vida, sempre em alto definição e sempre enormes em minha frente.
Era uma sexta-feira e estava muito feliz, pois teria essa noite e mais um fim de semana inteiro com meu sonho. Quando cheguei em casa senti algo diferente, senti que a casa tinha perdido algo e estava muito leve. Senti como se tivesse perdido toda a sua gordura, senti como se tivesse perdido sua alma. Senti um vento frio e senti certa solidão, mas ao ver minha TV esqueci esse problema.

Estava passando um compacto do jogo do Fluminense, o meu time de guerreiro e lembrei do tempo em que o namorado da minha filha vinha assisti o jogo aqui comigo. Ele namora a minha filha a anos e ficou noivo dela faz pouco tempo. Fiquei muito feliz, pois aprovo muito o garoto que além de ser tricolor das laranjeiras era educado, trabalhador e responsável. Ele terminou a faculdade e passou num concurso público da Petrobras e teve que sair do Rio de Janeiro e se mudar pra Macaé, então pediu minha filha em casamento e a levou com ela. Lembro que fiquei tão feliz nesse dia que até esqueci o final da novela, mas por sorte passou no sábado e pude conferir.

Nesse pensamento de mudança eu me lembrei do meu filho que sempre teve um sonho de biólogo marinho e lutou tanto por esse sonho, que conseguiu uma bolsa de estudos na Austrália. Teve uma grande festa aqui em casa dada por mim, lembro que chamei a todos e fiz uma festa que foi até de manhã. Fiquei tão feliz que perdi a final do basquete, mas também não liguei, pois meu canal de esporte sempre reprisa no dia seguinte.
Peguei a minha cerveja e liguei a minha TV e logo tinha esquecido tudo isso, passou umas duas horas em meus programas e senti uma fome. Então fui ao banheiro e após fui a cozinha e percebi algo estranho. A cozinha estava limpa e sem nenhum sinal de vida, então lembrei da minha mulher e procurei algum recado que dizia que ela sairia com suas amigas. Procurei e procurei e nada achei, então peguei o telefone e liguei pro celular dela, que chamou e chamou.

Então subi pro nosso quarto e ele também estava impecável, mas estava com um clima de vazio, sendo que aquela sensação de leveza em meu quarto e me arrepiei todo. Comecei a perceber que estava faltando alguma coisa, mas não conseguia me lembrar o que não estava lá, então abri o armário e vi ele quase vazio e fiquei desesperado. Só que percebi uma carta no fundo do armário ao lado do meu sapato velho e sem cima das minhas poucas roupas penduradas.

Com pânico no coração eu a abri e comecei a ler em minha mente perturbada.


Oi meu antigo amor.
Pra dar ponto final a nossa linda história de amor, eu resolvi dar um ponto final com uma poesia.

"Um homem que não queria chegou a minha vida
Senti ao meu coração que eu não o queria.
Mas com o tempo só percebi o inverso
Esse homem era tudo que mais almejava
O tempo passou e o sentimento confirmou
Não há nada mais quero nesse mundo
Duas provas de amor brotaram de mim
Duas flores lindas cresceram no jardim
O tempo chegou e o cansaço de carona
E só alguns esboço e pequenos flashes
Minha carcaça conseguia
Me recuso a ter um amor e me contentar com migalhas
Então encerro nossa história
Pois prefiro ter nada do que ter pequenas esmolas.
Te amo e pra sempre o farei
Mas infelizmente nunca mais será ao seu lado.”

Adeus meu grande amor"


Nunca entendi a vida e agora me sinto uma ilha.

Chorei.

Não conseguir fazer mais nada no fim de semana além de chorar. Sempre sonhei com um sonho a realizar e me esforcei tanto pra conquistar, que acordei de um sonho que vivia e que agora não poderei mais retornar. Sempre adorei minha TV, mas esqueci de que foi com o meu filho que comprei, pois por conta própria nunca vou a shopping. Sempre adorei a minha poltrona, mas esqueci de que foi com minha filha que comprei, pois nunca navego pela internet. Sempre adorei minha mulher, não por ela me dar os salgados e comprar a minha cerveja, mas sim por estar sempre ao meu lado enquanto fazia todas essas coisas.

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